terça-feira, 26 de agosto de 2014

Dois poemas "físicos"

Samba

Nossa paixão
quando partias
gerou em mim
ritmos, compassos
e o samba que faço
vem com dois amantes:
no gemido sincopado
o tempo volta atrás,
para os teus braços.


Instante paralelo IV

Moléculas que formaram
o tendão dum dinossauro
estiveram, por alguns dias,
numa ponta de unha
que já cortei.
Só os poemas, constantes:
os mesmos,
milhares de anos,
átomos sonhando
nos papiros selados.                                
Abres as páginas - tu,
musa inoculada nas estrelas -
e os antigos átomos, os mesmos,
aquelas palavras
de pronto se revivem
no exato instante da criação;
e sei, milhares de anos depois,
que as escrevera para ti.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

A sina botafoguense






Constelação solitária
Para meu filho, Pedro

Te passo essa camisa – do Botafogo –
para assinalar uma linhagem fora do sangue
e, nos estádios, saibas o hábito de torcer em pé
entre os pavilhões
como, nos botecos, de pé se bebe
irrequieto, expansivo, inabordável
ao longo dos balcões.
Te passo essa bandeira – constelação solitária –
para que, uma a uma, a estrela única
preencha o vazio expandido pelo uivo
de fogo das arquibancadas.
(Bola, mundo espantado,
menino, mestre sem cerimônia.)
Te passo essa determinância – botafoguense –
como quem diz “Brasileiro”,
a derrota em chamas
de vitória
na garganta antropófaga

da imaginação.