segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


7 - Síndrome

“A estudante Vanessa Dantas, 17 anos, é mais uma vítima pública da SVS.

Amigas da estudante contrataram um robô que fez contato, ‘por acaso’, pela Grande Rede e logo demonstrou um dom maravilhoso: ‘falava’ sobre Vanessa como ninguém, ‘adivinhava-lhe’ a alma, o Eu, e usava as palavras de forma ‘diferente’; Vanessa surpreendeu-se que fosse mesmo um homem e jovem e marcou, ansiosa, o primeiro encontro; mas esperou feito uma idiota em HologLand, até que três amigas desceram de uma surfnave e revelaram o trote: Vanessa conversara o tempo inteiro com um robô, e tudo tava na Grande Rede.”

“Ser enganada por um robô!”, considerou Tamis Khalab, após desligar, com a voz, o noticiário em holograma. “De uma hora pra outra, isso vai acontecer comigo.”

Tamis padecia de um mal cada vez mais diagnosticado entre os jovens, a Sindrome de Verbal-Self (SVS, sigla em inglês), logo apelidada de Síndrome da Personal Fama (SPF, no Brasil). Os acometidos pela SVS desenvolvem dependência em ouvir falar sobre si. Há serviços especializados na Grande Rede, em que pessoa sintoniza-se e fornece um perfil já dirigido à “consulta”: em minutos, o atendente “aparece” na sala, em hologramas (psicólogos clínicos, pós-graduados) e passa não a ouvir o “paciente”, mas, principalmente, a falar sobre ele: na maioria dos casos, como um fã. Milhares desses atendentes hologramados são robôs, desafiando a lei.

“E se algum dos meus atendentes era um robô?”, Tamis Khalab questionava-se, repassando os rostos. “A impessoalidade de um robô...”.

Tamis morava num bairro rico do Rio de Janeiro, com ar-refrigerado nas principais ruas, tudo movido, de forma silenciosa, por energia solar (55º médios na América do Sul). Na Galeria Londrina, as fachadas hologramadas das lojas seduziam com historinhas virtuais e anúncios se “corporificavam” na frente dos passantes. Tamis seguia indiferente. “Um robô!” - e ela “atravessou” um holograma de sapatos: “Só mesmo um robô para me entender!”, e riu com alguma graça.

A síndrome verbal produziu episódios inverossímeis, famosos em todo o mundo. Na história que mais impressionou Tamis, uma garota de 21 anos, com SVS, descobriu ter namorado um robô, por três anos: era o “’amigo” do namorado astronauta, que tramou tudo e o apresentou como "uma pessoa muito, muito especial", antes de embarcar para uma missão a Marte. (O andróide substituto marcou época por fundir as habilidades dos robôs-amantes com a “nova arte de falar”: sobre cada mulher.) O que mais impressionara Tamis é que, no último ano do “relacionamento”, o ex-namorado astronauta não fez um só contato, nem com a ex-namorada, para saber como estava, nem com o robô.

A estrutura arquitetônica da Galeria Londrina é semelhante às praticadas em todo o mundo (com materiais mais baratos contra a quentura): grande parte das ruas é assimilada por construções inverossímeis, quilômetros e quilômetros de shoppings contínuos, climatizados, onde se convive com viadutos e aerotrens e onde se encontra, principalmente, o que não se vende por hologramas na Grande Rede. Inclusive “Marga Alianto – psicóloga”, como Vanessa leu na plaquinha em 3D.

- Tudo bem, Tamis? – a doutora Marga olhou-a fixamente, fria.

- Tudo bem?” – Tamis ficou na defensiva.

- Tamis, como sempre, vou ser direta com você. Infelizmente, nas últimas sessões, passei a ter algumas suspeitas, a partir do que você me dizia. Decidi fazer algumas... averiguações... e, bem, como você já deve saber, precisamos falar sobre isso.

Tamis sentiu o corpo gelar, o coração acelerado, e apenas baixou a cabeça.

- Sabe quando diz que seu relacionamento com Herbert é moderno, que seus pais é que não entendem... quando defende a estranheza dele, a falta de compromissos, o distanciamento? Quando fala de um “novo tipo de amor”? Tamis, achamos que você pode estar com uma nova forma de manifestação da SVS: a da pessoa que ama, “verdadeiramente”, os robôs, mesmo suspeitando, ou mesmo sabendo, que são robôs.

A jovem levanta-se e empurra a doutora Marga, que cai no sofá.

- Tamis, você sabe (e é por isso que me procurou, porque precisa de ajuda!), você sabe que Herbert é um andróide!

7 comentários:

Anônimo disse...

nossa!!! agora fiquei pensando: será que eu também sofro dessa síndrome?!!!! eu heim!!! tô passando muito tempo na frente do pc... bjs

Anônimo disse...

Sobre meninos e robôs...

O "humano" é tudo o que a Física jamais decodificará por Hologramas.
A " inteligência artificial"invadirá o sonho?Dominará a nossa carência de feedback?
Texto complexo.E haja "Estética de Recepção"!
Parabéns! É, sem dúvida, um texto muio bom.

Solange Maia disse...

Texto interessante... aliás os outros também. Fiquei aqui : pensando...
Bom, muito bom... adoro textos que me provocam a pensar...
Foi muito bom ter passado por aqui !
Parabéns !

Quando der visite o meu blog também :

http://eucaliptosnajanela.blogspot.com

Um beijo,
Solange Maia

J.BOSCO disse...

Cumpadi, olha eu aqui no seu rastro...rssss
Vamos marcar e tomar todas.
Já linkei você lá no meus favoritos!
Vamos ouvir uma Maysa depois um Vavá da Matinha, pra finalizar um Luiz Guilherme!
abs

J.BOSCO disse...

Estou com uma seleção de velharia que você nem imagina,cumpadi...rsss
É sentar na mesa e tomar todas dores de cotovelos!!!
abraços

edson coelho disse...

j. bosco! escuta, o pica-pau, o pernalonga, o garfield e o piu-piu (só anjinho) ainda fogem de ti? meu fígado alegou todas as recaídas quando leu teus recados. porque eu, sem vergonha, fiquei bêbado só pra adiantar o clima dos trabalhos. vamologomarcaressedesastre
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Anônimo disse...

BBB
Todo mundo lá tem essas e outras síndromes.
Todos doentes .
Sem esperança.
Um abraço a Belém e a vc também
E isso não é rima de robô.