terça-feira, 10 de março de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


11 - A fonte


Compartilho hoje com o leitor um raro momento.

Após morar cinco anos no Rio de Janeiro, eu e Daniela retornávamos para Belém, de carro, em companhia de um casal de amigos (Ângela, carioca, e Don, norte-americano). Em Minas, visitamos o passado e, em Brasília, a hospitalidade do meu irmão Edinaldo e as curvas brasileiras da arquitetura. Adiante, na chapada de Alto Paraíso, milhões de anos jorravam sobre a pedra: cachoeiras. E num deserto - o Jalapão - mergulhamos na própria origem da vida.

No Jalapão (divisa do Tocantins com o Piauí), só tem gente na entrada do cerrado (cidade de boa movimentação) e seis horas depois, no final (pequena vila que vive em função dos turistas). A vegetação, rasteira e monótona, se embeleza com o sabor da aventura. Súbita, topamos a Cachoeira do Lajeado; a rocha que serve de leito ao rio, gasta pela água, lembra tijolos de barro cozido - ao mesmo tempo rosa, coral e vermelha; andando nesse leito furta-cor, deparamos com um precipício, e doze metros abaixo nos atraía o colorido da vegetação e a mesma pedra (agora uma enorme concha coral) a envolver tudo em ecos, luzes, locas. Garanto, leitor: pelo difícil acesso, pelo isolamento, pelo lirismo selvagem e calmo batido pela água, aquela câmara lembrava uma onça: evocava a conquistadora que lá embaixo passeia livre, destemida, majestosa: até hoje (passado o estado de poesia produzido pela viagem) essa Cachoeira do Lajeado é para mim uma onça, sua morada, sua sensação.

Aproximamo-nos da vila-terminal, guarnecida por um belo rio; nas águas, lavadeiras, móveis, crianças em algazarra. Um pequeno de dez anos, negro e esperto, levantou a cabeça para o Jipe, montado num cavalo que bebia na corrente; eu, também menino livre de interior, disse-lhe então: “Nunca reclama nem da tua liberdade, nem do teu rio, nem do teu cavalo!”; e o menino, erguendo o polegar: “Falou!”.

Na pequena vila, uma das refeições mais prazerosas de nossas vidas. E Ângela e Daniela conseguiram consumir: bolsas, chapéus, cestas do famoso artesanato-chic do Jalapão, em capim dourado. No dia seguinte, a fonte.

A nascente fora cercada com pés de bananeira e primeiro apreciamos, a alguns metros, o intenso borbulhar (mistura densa de água impelindo areia). Em volta, a água mais límpida e a vegetação mais vívida de que lembraremos. Entramos no olho da nascente, que, de tão forte, nos empurrava de volta – ficávamos em pé, imóveis sobre a água, sem afundar. Mais do que a sensação do vôo, do domínio da gravidade, naquele momento nos reconciliávamos com a origem, com as plantas, os lagartos: a fonte a nos jorrar para o alto, de novo para nova vida, na melhor metáfora do retorno para Belém, cidade-rio onde para sempre nascemos.

9 comentários:

Da Rua disse...

Sou seu fã. Saudades, meu caro.

Da Rua disse...

Aliás, vc conhece meu blog?
Veja em http://nelsonblog.notlong.com

Abraçooooooooooooo

Anônimo disse...

Édson é refinado escritor.
quando o leio me recupero das voragens da vita, e ela fica nuova.
O Pará tem tradição em cronsitas. Hoje Não passamos de 4 osd bons cronistas. Quero Édson de volta aos grandes veículos impresos, pois do contrário, é negar ao grã público o sutil sopro.
Paulo Nunes

edson coelho disse...

nelson, meu amigo. a sede começa agora para o carnaval em fevereiro, aí no rio. e, sim, frequentemente dou boas gargalhadas com o seu blog. caramba, que sede - de adega do pimenta, bar luiz, lamas, belmonte e de papo molhado. até fevereiro.

edson coelho disse...

paulo, camarada, não sei quando será, nem como, a publicação desse livro de crônicas em "livro". sei é que você tá convidado para escrever o prefácio.
obrigado por tudo.

Anônimo disse...

Grande Coelho...

Anônimo disse...

Vamo dá o Nobel pra ele que grande cara que ele é!

Anônimo disse...

lindo esse texto!!! sou sua fã!!

Anônimo disse...

É uma confissão de amor ...bonito se confessar assim...