segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


44 - Lagarta, crisálida, borboleta e futebol

Muitos mitos soprados pela arte realizam esta necessidade humana: mudar. Vejam-se três histórias que viraram desenhos animados: em “Pinóquio", um boneco de madeira torna-se “menino de verdade”; “A Pequena Sereia” transforma-se em alegre debutante e casa-se de véu e grinalda; o belo rapaz amaldiçoado vira a Fera, que a seguir volta a ser o belo, que ao final casa com a Bela: “A Bela e a Fera”, perspectiva e destinação feminina. Sendo também o futebol chave psíquica e da região da arte, não custa vê-lo logo como mito. A questão é: mito de quê? O que o futebol revela de nós, das fundas camadas de nossa natureza, e de como manifestamos o desconhecido?

Em qualquer selva, a saga da borboleta cumpre um romance trágico: primeiro nasce a lagarta, que resolveu de forma simples o problema da Morte: em vez de morrer, vira crisálida. Este pequeno casulo também se transforma noutro ser: e nasce a borboleta, um dos entes mais agradáveis do ar, asas de íris filtrando diafanamente o entardecer - e de repente esta bela desencantada/desabrochada vira Julieta: tem um momento de esplendor e morre: a borboleta vive no máximo quinze dias, mesmo as mariposas.

Ao menos se humilhou a Morte com um drible: a lagarta, rastejante, parece que vai, mas volta, agora com asas. Igualmente: sair da madeira para a forma, e da forma para a realidade, até formar-se a consciência e o nome de um menino: Pinóquio; e sair da condição de sereiazinha medrosa e impulsiva para os braços da independência e da lua-de-mel (a Pequena Sereia é a adolescente: já não é criança – escamas de peixe na água da mãe - e ainda não é mulher: mutação psíquico-física, tilápia virando ruiva estabanada): mudar, fugir, enfrentar, conseguir: a mudança traz dor, mas revela, descobre: por isso devemos cumprir a clássica sina do herói: uma longa travessia, dolorosa até a morte, mas valente, triunfante, abnegada como um amante de época.

Mudar a Seleção Brasileira nessa Copa da Alemanha é um anseio do nosso inconsciente coletivo.

A) Mudar, por exemplo, Ronaldo, um pouco lento, por Robinho, leve, e driblador. B) O 1 a 0 sobre a Croácia deixou claro que quatro atacantes pode ser suicídio (ainda que um “quadrado mágico”). C) Você não acha que Cicinho dinamiza mais o jogo que Cafu?

Assim se nos revela o mito do futebol: não é um mito, é uma mutação entre fantasia e realidade: é, ao mesmo tempo, a ansiedade, o sofrimento, a alegria, a explosão, os segundos de êxtase de qualquer vida; e são 90 minutos de pura fantasia (a mais real que há no mundo moderno). O futebol é o mito de si mesmo – de tão absurdo, lendário, inacreditável, catártico; e por ser a realidade: mata-se e se morre por ele. A bola, mais do que substituir o real, gira contra o acaso noutro real. Futebol é o fantástico perde-e-ganha cotidiano: condicionado por expectativas, esperas, mas que - “como num sonho” – prepara sempre épicas decisões.

Com medo de sermos infelizes para sempre, pondera-se: A) Se o Ronaldo já fez o que fez com a bola, e com os zagueiros, e com os goleiros, e já se superou fisicamente num caso dramático, como não lhe dar confiança (“nos três primeiros jogos”)? B) E se, num mata-mata, o Brasil necessitasse de um gol, não poria em campo os quatro melhores atacantes do mundo, o tal “quadrado mágico”? C) Com Cicinho, o time talvez ganhe em movimentação, porém corre o risco de ser surpreendido; com Cafu, ganhamos a experiência de três finais seguidas de Copas.

Mudar dói, mas não arriscar pode ser fatal.

2 comentários:

Valcir Santos disse...

Temas como mitos e mudanças são deveras interessante e podem elevar nossos delírios futebolísticos para inúmeras escaladas. Mas não há como fugir, pois mesmo essa temática tem tudo haver com o assunto futebolístico do momento: a "ressureição" do futebol carioca na reta final do Brasileirão, culminando com o hexa-campeonato do Flamengo e a salvação do Fogão e do Flusão do inferno do rebaixamento. O mais bonito disso tudo é que o Rio, templo do futebol, cidade-maravilha-da-beleza-e-do-caos e que nós adoramos, está em uma festa retumbante que reune todas as torcidas. Como se conseguiu essa façanha, quando se anunciava há apenas dois meses o velório do futebol carioca, é um mistério. E como tudo isso coincidiu com o ano que se anunciou o Rio como sede das Olimpíadas em 2016, é outro mistério. Mas é isso que faz a maravilha do futebol, pois se presta para todos os tipos de crenças, simbologias e mistérios.

edson coelho disse...

cara, é vero: todo o rio comemora como se os quatro grandes fossem os campeões. e ainda tem quem diga que futebol é só um jogo.