quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Balada do sangue





A Natacha Colly, vampira

Vou te cantar em jorros de sangue, jazz aos borbotões sobre o tema do renascimento, vou afinar minha paleta pulsada em semitons escarlates e entornar as cordas do corpo em ludicidades de morcego: vou te celebrar num banho de sangue, minha rosa consanguínea. Eu te amo significa o meu sangue, eu te amo significa a origem sem fim, eu te amo é minha fonte de sangue entre genealogias verdes de folhas anis, eu te amo é a minha pedra coagulada, e repito - eu te amo, eu te amo, rubi, granada, eu te amo estonteada sob profundidades magmas, jaspe, ágata, e eu me esvaio como um sol para emergires em transbordamentos lunares. Há o sangue de antes, de quando avancei pelas ruas para respirar por tua boca; há o sangue de durante, em que o infinito se fragmenta na iminência do vazio; e há este sangue novo, do depois, de agora, este sangue em que a música lateja em nós como se estivéssemos ligados pela mesma jugular, eu transfundido em esquinas esbraseadas, tu suspirando pelos olhos, serena entre brancos lençóis.
Vou te cantar com sangue, arquejante de tanta vida, vou te cantar em sangue ininterrupto, uma avalanche de sangue, veias de chuva amazônica, vou produzir um mar de sangue para embeberes de mim um lenço branco, flamingo de Espanha deixando para trás as despedidas do amor, eu te amo com o meu sangue para vertiginar, eu te amo com o meu sangue – é o meu sangue, meu sangue – para agradecer, para transcender, para retornar, para me expandir, para preencher, para promover sinestesias no íntimo das galáxias, meu sangue que parte para ti e reponta nas nebulosas, meu sangue que se filtra em ti e as estrelas revivem, caudaloso entre a Via Láctea - tocaste um idioma que não conheço, ouço o perfume inflamado que aspira o som do mel vermelho que me ensinaste a haurir de mim. Eu te amo, repito, aos descompassos, eu te amo, te amo.
O nome do meu amor é sangue, sangue delicado, sangue sorriso, sangue florescido, a vida me disse adeus, no primeiro dia de minha adolescência, e me reencontrei à frente pelo sangue como por um rio, meu tempo feito de sangue, tempo para beber, para passar na pele, no rosto, eis meus cabelos, tua medusa púrpura incendida, meus cabelos para hipnotizar, para fluir, para inebriar, para levar de veia em veia como de vilarejo a vilarejo, do coração ao cérebro como um livro borbulhante, deixa-me te inundar, te prender e libertar para flutuar, deixa-me encenar as sombras do amor para te iluminar de amor, deixa-me te curvar, na última catarse de mim, no último degrau de uma escada eterna, como um plebeu artista humilha uma princesa feliz, deus está caindo do céu, vês, deus é vermelho e vai se ajoelhar aos teus pés, deus é vermelho e vai resvalar no teu desejo, manchar-se nas resinas entre cipós, novas sístoles cancioneiras para a primeva selva, és tão linda que um deus, um homem precisa se conter, o caçador de leoas deve molhar os olhos no orvalho para que não o cegue o ímpeto carnívoro, fui levado a mim quando injetaste em mim o meu sangue, o cheiro no teu umbigo veio do primeiro lago, ainda no éden, tuas virilhas vazam para que minem as fontes perto de deus, finalmente cheguei a mim, vindo de ti, vindo do mais distante dos lugares, a que me convidavas desde antes de o criador pensar em existir. Então eu agora amo, te amo.
Meu corpo chegou, finalmente, ele que veio como um faro, como um sinal, como um tarô cego entre os astros, improvisado, metaforizado, transfigurado com sangue, por isso aprendi o que sempre soube, a dizer amor, por isso repouso onde sempre estive, amor, amor, e teus braços me acompanham dóceis pelas esquinas da nossa cidade, e encontro o que sempre tive, e tanto sei cuidar e atordoar, aprendi o que sempre morri, sacudir, toldar, e acalmar, clarear, de novo tenho minha infância, outra vez apenas o instante, a sensação, ó minha garça campesina à luz do lago límpido do sexo: sei matar minha sede sem morrer, sei saciar o meu faro sem te abandonar, me ensinaste com meu sangue, me redimiste por meu sangue, este é o meu sangue, e teu gosto é infinito como minha jornada, teu gosto do meu sangue, teu gosto do todo, teu gosto do pleno, meu sangue que triunfa como num levante contra o vácuo, e eu te amo: porque, pela primeira vez, pela primeira vez, pela próxima vez, pela curva do sangue como um coração índio à curva do rio, eu gozo, gozo e, depois do gozo, não sou lançado no vazio onde os homens se contorcem da imperfeição punitiva da natureza.