quarta-feira, 25 de novembro de 2009

MAX MARTINS POR J BOSCO


LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"

43 - Lendo Max Martins

Enveredo, quase sempre, pela não-crônica e hoje cometerei a anti-crônica: em plena Copa, o tema é a poesia.

Uma vez, quando Max Martins era diretor da Casa da Linguagem, vi-o no Banco do Estado do Pará a receber o salário. Não ganhava mal, e recebeu tudo de uma vez, bolos de dinheiros pelos bolsos. Óbvio que era uma pessoa que não lidava bem com aquela situação (fila, salário, manusear o dinheiro). Parecia alheio, sem a movimentação das pessoas práticas. A concentração era funda, sim, nos tantos poemas árduos que por aquele tempo escrevia.

Terça-feira passada, 20 de junho, Max completou oitenta anos. Aprendeu, na vida e na obra, que uma cabana basta: para se ter de onde se ir. Um índio de Belém, ancestral, filosófico: caminho de Marahu. Zen-amazônico. Ter de onde se ir para outra dimensão – a da palavra, da linguagem; e depurar o Eu pela dura saga do artista: poesia-vida.

E também – inevitável - ter de onde se ir para além da vida (toda obra é uma preparação para a morte). Leio dois textos marcantes do final da década de 80 (Max tinha 62 anos): “os grampos, teus cabelos ali”; no outro, chega a indagar-se sobre a morte: “Por que mais esta noite inteira esperando?”. Enfrentar, então, o tempo implacável - reagir-lhe, impor-lhe um instante, sobreviver-lhe. A obra e o semblante de Max Martins: vincados pelas intempéries, serenos. Conquista, aceitação: resposta às ruínas como no belo poema (também de 18 anos atrás) “Outro sim”: outro sim à vida-obra:

“Para que não se vá
a vida ainda
e a amada volte

xvxvxvxvxvxvxvxvxvxvpede à palavra
xbxbxbxbxbxbxbxbxbxboutra palavra
xbxbxbxbxbxbxbxbxbxboutra sob
xvxvxvxvxvxvxvxvxvxvpalavra”.

A palavra te dará cada palavra que pedires, Max Martins, pois que oitenta anos é só o começo. Tua obra-vida (cabana em Marahu) é o teu eterno lugar de onde se ir, tua preparação para a montanha, triunfo sobre o tempo; teus livros são lugares de onde partem, há séculos, jovens poetas: lugares intactos, inviolados, expressos em ti para que nós, leitores, tenhamos também, sempre, de onde seguir.

Parabéns, Max da poesia, artista com a vida, e falar nisso responda-me, em justiça ao futebol: e a Copa?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


42 - Carros, camelôs, futebol

O automobilismo é uma paixão disseminada por São Paulo, com cartódromos e circuitos de cross (barro) em vários municípios. Interlagos é talvez o patrimônio que mais orgulha a capital e Ayrton Senna é um nome inapagável nos esportes brasileiros.

Contrastando com a velocidade, Sampa é a metrópole mais engarrafada do mundo. Haja viaduto e túnel e viaduto, mas como conter o problema se, para o paulistano, ter carro não é só status social (como em todo lugar), é antes paixão, história de vida, relação profunda com o meio?

É possível que o automóvel (e a velocidade adrenalítica) seja, ao lado do computador, a invenção que mais interferiu, de forma física, no comportamento humano. A ancestral relação do homem sobre o cavalo (o espírito aventureiro) foi transferida, no Século XX, para os carros (“motores de duzentos cavalos”). O relação homem/máquina é uma das mais modernas da espécie (a máquina não tem vida, como a árvore ou o bicho: foi criada pelo homem, pela tecnologia: não é um diálogo com a “natureza”, “viva”, e sim com elementos inanimados, como minérios).

Neste sentido (da relação física com a modernidade) São Paulo é a cidade mais “urbana” do Brasil.

(Só para não esquecer, o apelido do computador é “Máquina”).

“Locomotiva do Brasil”, influência de Itália (Ferrari, Fiat), Matarazzo, bairro só de japoneses e descendentes (Toyota, Honda): Belém está a três mil quilômetros destas circunstâncias paulistanas, mas como ama carros! Em qualquer transversal mais movimentada, muitíssimos modelos novos e luxuosos.

Nessas perspectivas, a esquina mais “urbana” de Belém é a da Júlio César com a Pedro Álvares Cabral. Ali, além da proximidade com o aeroporto (o avião é uma tremenda máquina), fica um dos raros semáforos de quatro tempos da cidade. Em redor, Aeroclube, Corpo de Bombeiros, uma reserva ambiental. Como em São Paulo, a esquina de Belém movimenta uma concentração de camelôs, que aproveitam os quatro tempos do semáforo para melhor seduzir o freguês. E ainda (aqui como em Sampa), a Copa da Alemanha produz essa foto social: as camisas que os camelôs vendem aos “doutores” são as mesmas que usam, driblando os carros.