segunda-feira, 10 de maio de 2010

LIVRO "DO REAL IMAGINADO"


Brinquedos

Não estava acostumado
com televisão,
e o Falco foi massificado:
um precursor do Rambo.

Desembrulhado, porém,
o herói era estático
como plástico
e o menino sofreu
de publicidade.

II

A boneca
ou o Soldadinho de Chumbo
têm que realidade,
agora que só os lembramos?

Que palavra de verdade
dizer ao Saci de pano
com quem numa gaveta
topamos?

III

Primeiro ela sente o cheiro
da caixa: patchouli
envelhecido.
Retira a Emília de pano,
e cuidadosamente absorta
lava-a: corrige cada
pequeno furo
ou imperfeição:
perfuma-lhe
e enlaça o cabelo.
Quando era criança,
falava mais que a boneca;
hoje, apenas chora,
chora, chora cuidadosamente,
e a Emília de novo lhe sorri.



O Andarilho

Carlitos fora visitar Alberto Caeiro
e Fernando Pessoa o fizera esperar.
(Disse-me que só em Portugal
o lirismo pôde um dia virar cristal.)
Quando Caeiro acenou,
poeta situado a meio do outeiro,
Carlitos também viu odes campestres
A brincar com sensações.

*

Pinóquio manda da Terra-do-Nunca
poema para Wendy em Macondo:

“Duas borboletas voam para o alto, para o alto,
para se esconder do sol entre as estrelas...”

Wendy responde, do País das Maravilhas:
“Você ainda tem
espinhas no rosto?”

*

No inverno, Iessiênin percorre a cidade,
até o bar das goteiras;
tenta namorar Ofélia, que tem medo;
Maiacóvski às vezes aparece
e briga até com Cecília Meireles;
hoje, do nada, Ofélia pergunta:
“Que é feito de Isadora Duncan?”

*

Haurir a imaginação
feito a memória de Borges
através do xadrez de estrelas;
entregar a órbita do menino
que há séculos passou por mim
e até ontem me buscava.



Ao lado do cisne

“- A água fenece, brota:
o tempo de uma borboleta.

Tua forma
é como o vôo do urubu

estarão contigo
estes fogos de estrelas.

Eu, por mais de um rio
lastimei a vida, lamentei o amor;

cantas antes de morrer.”

6 comentários:

Anônimo disse...

FORMALISMO ...


quando lidos aos poemas da obra "Do Real Imaginado", tive oportunidade de comentar, qui em seu blog, minhas impressões, referi-me ao seu elemto original, aquele que tende a mantê-lo como escritor, e com um pouco de empenho, popularizá-lo ainda mais. A Linguagem. Seu estilo curto, comporta elementos de masculinidade, que fazem de sua palavra uma forma de comunicação impar, talvez fruto da sua objetividade jornalística (talvez...). Sua linguagem, já dita pelo senhor, em algum momento, é o centro da sua produção, a maior preocupação.
modernamente, isto é valiosíssimo para o estudo da linguagem, o senhor terá grande aceitação, por exemplo, entre os linguístas ... há nisso um ganço poderoso para seu futuro como escritor... nesse sentido, a sua poesia, até mais que a prosa, é formalista. (Neste sentido), fique bem esclarecido!
não digo que sua poética seja ...parnasiana, por exemplo, não, observe, que referi-me a sua imagística, muito presente, neste livro de poemas ... qualquer um pode ver, ao ler "Do Real Imaginado", a grande carga de sentimento da obra, no caso uma eterna declaração de amor de um homem a uma mulher ... não faltou-lhe o sentimento, ele voou das linhas da página como en "Antes do Amanhecer".
Talvez o vocábulo formalismo tenha pesado aí. Talvez mal aplicado, talvez... que fique tudo dito!


ines

edson coelho disse...

é, cara inês, essa questão da linguagem é seriíssima para mim, porque a amo, mas sei bem que um poema perfeito (disse cecília meireles) é aquele que une forma e fundo. um poema tem que revelar, achar, tocar nalgo que nunca fora tocado - algo que surge de um tema, uma abordagem, um tipo de linguagem: tem que trobar. agradecido, mais uma vez, a você.

edson

Ademir Braz disse...

Caro:
Tomei a liberdade de colocar Azougues entre meus indicados.
Um abraço.

edson coelho disse...

ademir, para mim é uma honra e agradeço ao e o seu talento.

Renato Torres disse...

mano Edson,

um prazer a leitura de teus poemas, em especial de "ao lado do cisne", que tive a honra de musicar - ainda que com versos ligeiramente modificados. o poema "brinquedos' me trouxe sensações incríveis de minha infância (também tive Falcons...), e de certas brechas no assoalho de madeira de minha antiga casa, onde perdia pequenos brinquedos que adorava,e vez por outra ficava deitado no chão, observando-os impotente, a conviverem com as baratas e a formigas. bravo, poeta!

abraços,

r

edson coelho disse...

é isso aí, renato. aliás, vamos aproveitar a presença do henry em belém para tomar um vinho e reviver parcerias. aliás, vamos fazer outra parceria. até mais, amigo