A véspera
A cor é o único tempo.
A aurora já balança os galhos
e o inverno está próximo.
Narciso não abre os olhos.
outra vez, o sonho
Três lembranças do sol nas bétulas,
nove canções para vozes azuis.
A luz aninha a fronde no Lago.
O Sol está triste - não há nuvens
mas a morte chegou.
Narciso já desmaiou entre as estrelas
que adornavam a água admirada;
lançou-se nas simultaneidades
de futuro e passado, sonho e imaginação;
recebeu o Sol como a si mesmo
e as moças estrelas, incendiadas,
rolavam das órbitas de estertor e êxtase.
Hoje apenas sente, lá fora, as angulações do dia pleno.
um pesadelo que o entrega ao escuro
Súbito, abre os olhos -
por um momento,
não pensa em nada, repleto;
presságios na luz da vida.
Silêncio em tudo.
Expectativa nas folhas, alegria nas frutas.
Os pés chegam ao Lago, hesitantes.
Quinze sóis até as chuvas,
Narciso apalpa o rosto como se sonhasse um incêndio.
Curva-se ritual para a própria imagem,
recupera-se sem esperança;
nunca presenciara a despedida de um herói.
Uma sombra tolda o movimento na água:
pela primeira vez, a chuva surpreendia-o:
Narciso a pressentia nas cores e temperaturas,
sons e hábitos dos bichos; sabia-a na pele,
nos ossos, membranas;
e agora tal nuvem – sem fala
e tão corrompida.
Ele mira-se no lago trêmulo
e o rosto distorce-se.
Transparecem o orgulho, o desprezo, a arrogância;
no espelho por trás dos olhos, o horrendo:
cuspe nas rosas, lama no poço.
Imóvel sobre o Lago, Narciso
chora pela beleza desperdiçada;
lembra da mãe e de si mesmo, beleza
perdida, e chora por nenhuma amada;
as palavras estão por toda parte,
beleza comentada, e ele chora pelo Sol, único poeta.
Ri triste como os homens.
Lágrimas de amor, seus últimos olhos.
Amanhã, morrerá.
RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRÀ Cristina Souza
neolítica
a serra é um estado da memória
(
a rocha
poliniza-se
roxa
e na transparência porosa
volteia
asas e pétalas corrosas
)
aqui
uma mariposa lítica
é a poesia
e deixa
à margem do papel
a plumagem por testemunho
BBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBAo Antônio Moura
A cor é o único tempo.
A aurora já balança os galhos
e o inverno está próximo.
Narciso não abre os olhos.
outra vez, o sonho
Três lembranças do sol nas bétulas,
nove canções para vozes azuis.
A luz aninha a fronde no Lago.
O Sol está triste - não há nuvens
mas a morte chegou.
Narciso já desmaiou entre as estrelas
que adornavam a água admirada;
lançou-se nas simultaneidades
de futuro e passado, sonho e imaginação;
recebeu o Sol como a si mesmo
e as moças estrelas, incendiadas,
rolavam das órbitas de estertor e êxtase.
Hoje apenas sente, lá fora, as angulações do dia pleno.
um pesadelo que o entrega ao escuro
Súbito, abre os olhos -
por um momento,
não pensa em nada, repleto;
presságios na luz da vida.
Silêncio em tudo.
Expectativa nas folhas, alegria nas frutas.
Os pés chegam ao Lago, hesitantes.
Quinze sóis até as chuvas,
Narciso apalpa o rosto como se sonhasse um incêndio.
Curva-se ritual para a própria imagem,
recupera-se sem esperança;
nunca presenciara a despedida de um herói.
Uma sombra tolda o movimento na água:
pela primeira vez, a chuva surpreendia-o:
Narciso a pressentia nas cores e temperaturas,
sons e hábitos dos bichos; sabia-a na pele,
nos ossos, membranas;
e agora tal nuvem – sem fala
e tão corrompida.
Ele mira-se no lago trêmulo
e o rosto distorce-se.
Transparecem o orgulho, o desprezo, a arrogância;
no espelho por trás dos olhos, o horrendo:
cuspe nas rosas, lama no poço.
Imóvel sobre o Lago, Narciso
chora pela beleza desperdiçada;
lembra da mãe e de si mesmo, beleza
perdida, e chora por nenhuma amada;
as palavras estão por toda parte,
beleza comentada, e ele chora pelo Sol, único poeta.
Ri triste como os homens.
Lágrimas de amor, seus últimos olhos.
Amanhã, morrerá.
RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRÀ Cristina Souza
neolítica
a serra é um estado da memória
(
a rocha
poliniza-se
roxa
e na transparência porosa
volteia
asas e pétalas corrosas
)
aqui
uma mariposa lítica
é a poesia
e deixa
à margem do papel
a plumagem por testemunho
BBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBAo Antônio Moura
2 comentários:
algumas palavras sobre "...nove canções para vozes azuis..." (A Véspera)
às vezes, a vida é prescentida "...e o inverno está próximo...",
quando a beleza é mais admitida "...Narciso já desmaiou entre as estrelas...",.
O tempo é efêmero diante das possibilidades "...lançou-se nas simultaneidades de futuro e passado, sonho e imaginação...".
narciso apaixonou-se pelo belo em si "...recebeu o sol como a si mesmo...". com a visão distorcida da água na chuva, o herói "advinha-se", ..."imóvel sobre o lago, narciso chora pela beleza desperdiçada, beleza perdida..."
no afã de representar o belo, busca-se referências humanas: a mãe, a amada,as palavras, quando humaniza-se, sabe-se menor que a luz(poesia) .narciso que amou a si mesmo, morreu pelo que não libertou, "...e ele chora pelo sol, único poeta...".
"A Véspera" é um forte poema, calcado num belíssimo símbolo universal, que é mito de Narciso, perseguido por poetas, desde os clássicos.
parabéns senhor, sua atitude foi ousada e bem sucedida.
ines
inês, mais uma vez obrigado: a literatura é só (tudo) isso.
Postar um comentário