terça-feira, 20 de julho de 2010

LIVRO "DO REAL IMAGINADO"



É ele, o homem que saiu
à rua.
Nem atravessa o semáforo:
à frente estão os famintos.
Nem pode olhar pros lados,
espreitam-no os seriais e as tribunas.
E o homem não pode ficar parado,
cercam-no os corruptos e as crianças prostíbulas.


De que lado você está

Inacessível ilha, asa de sede,
ou o contrário, voo cercado de mar.
E também, por incompleta a asa,
o coração mutilado de um artista jovem.
Calidoscópio, palavra do que é livre.
À noite, às vezes, o infinito ficava tão lindo
que o podíamos visitar;
era, no entanto, a Poesia
e a própria palavra a negaria.

Banalizamos o que vivemos;
acostumamos, matamos, morremos;
o tempo em nós é certo como no eclipse.

Matei quando, a poesia?
Há beleza nas cidades,
mas a abstração envolve-a de tédio
sem vivê-la;
há pontes estendidas nos sonares,
mas o real é uma sucessão de viadutos;
então, nos cais e trapiches,
o delfim de chapéu declama às moças.

Toda normalidade é gris,
mais quando a barba desilude-se
de manhã;
perpasso ruas cansadas
no diazinho eterno,
rumo ao horizonte pôr-de-sol;
(num lampejo, topei com sereias
e extraterrenas
e pensei que eram sentidos novos
que o próprio corpo
acrescentava aos sentidos);
se chover, a melancolia trará à superfície
as rachaduras das águas
e nas súbitas locas do ar
a poesia permanecerá um pouco,
como as pessoas.

E a plenos becos, mas impávida,
a contemplatividade lembrará
que o sentido da vida é o lado de que estamos,
nesta temporada de objetivos idiotas:
apenas isto, o lado de que estamos:
aceitar ou não ser vulgar.

A chuva chega, com ruflos de ilha.
Migrarei como a crista de um veleiro.
Metáforas desabam raias,
engulo o canto do coração impulsivo.
E ao menos recupero, inenarrável,
um tempo saciado de inacessível.


Manhãs

Somos só a cantata cardeal,
cabala em seda ao tato do menino.
O tempo é simples e belo. Graal
é o mar com seu fole violino.

Somos só o café mais quentinho, a mãe
ficando para trás até o final.
A juventude de cheiros mamíferos
nas orquídeas ferroadas do quintal.

A luz transporta sua tapeçaria
e resta a fábula das sete vidas.
Relógio cuco das idéias rotas.

Somos só as varandas ressequidas,
o saleiro do sol sobre o fastio.
As mãos da avó abertas nas papoulas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Com a poesia...sempre.

a palavra,( pedaços de nós no universo): linhas escritas à mão, (literalmente nas mãos que entregam a poesia.) margem de trilhos e pontes ...distante realidades....

o certo é que o mundo... de repente nos entregará esse dia.(quem sabe um vacilo do tempo...uma gentileza do calendário)

Belo poema (De quelado você está).

ines

nydia bonetti disse...

Uma beleza tua poesia, Edson... Uma beleza! abçs.