Tríptico do Camaleão
Artífice
Lagarto que ganhou um louro do sol,
aprende a copiar sem ter nascido
e seu ovo é repleto de arrebol,
de gambá, de graveto e de grunhido.
A voz de metonímia ou caracol
do bardo em tudo e nada refletido
mimetiza a metrópole em crisol
calidoscópico, polido.
Camaleão de trema seriado,
imitando entre as gentes imitado,
desvia-se do tempo um dia belo
quando passa aos pincéis o que o passa:
nem que seja a dor o camartelo
e a torre azul da rosa, uma carcaça.
Artífice
Lagarto que ganhou um louro do sol,
aprende a copiar sem ter nascido
e seu ovo é repleto de arrebol,
de gambá, de graveto e de grunhido.
A voz de metonímia ou caracol
do bardo em tudo e nada refletido
mimetiza a metrópole em crisol
calidoscópico, polido.
Camaleão de trema seriado,
imitando entre as gentes imitado,
desvia-se do tempo um dia belo
quando passa aos pincéis o que o passa:
nem que seja a dor o camartelo
e a torre azul da rosa, uma carcaça.
Apaixonado (lagarto-oceano)
Que a nudez (viço em sol, sobretecida
à miragemmaragem do intento)
esvoace sobre as vinhas os sentidos;
o músico contate, à flor do vento,
priscas cenas de cisnes sucumbidos
aos cordames de areia;
IIIIIIIIIIIIiiiiiiIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIo grão momento
do sangue fu(l)gindo em flautas aos bramidos
e leito cravejado de relento;
deixa que a sereia - grânula, guano,
ao deserto salivado de rapinas
demonstre a invenção do oceano;
assim nosso lagarto, ilusionado,
fira as claves do amor e ressacado
nasça e pereça em poças opalinas.
Nostálgico
O presente fragmenta-se em mil zeros
e o camaleão fecha a paleta;
vago trintão industriado em Eros,
viaja à infância-luz numa caneta.
Mas já o sítio passado não existe,
outra história se encena, em sucessão;
só na memória corre a chuva triste,
a primeira que lhe caiu no coração.
Só dentro dele a gleba, abandonada,
existe-se, verões que se entrechocam;
dentro dele a família, a alvorada
mãe em que as cores todas desembocam.
IIIIIIIO que o sol mira na paisagem gasta
IIIIIIIo lagarto restaura, ilude, engasta.
Transamazônica
Nem fotografia tenho
do lugar onde a infância
floresceu e passou;
certa vez,
já vinte anos depois,
estive às pressas,
trabalhando,
numa cidade próxima:
a setenta quilômetros
de minhas lembranças,
e não as conheci.
Hoje, que chove, e a palavra
(espaço sem tempo)
torna, de fato, una
a estrada que me criou
e a que me reconciliaria,
levanto na memória
(tempo sem espaço)
esta poeira-poema;
e a seiva, finalmente, dos olhos
se assenta como um cristal.
Canção em volta
A chuva vésper é a dona da bola.
Retorno sem começo, albor sem fim,
lucidez alagada num delfim.
Ao chão da infância, a papila dos dedos
apanhava as palavras esfregando-as:
arredondadas de água ou erodidas,
verbos ou adjetivos.
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIISomos só
uma flecha de baladeira, uma
harpa de seixo aos pés de Orfeu. O sopro
do sabiá.
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIITe trago à infância, onde
a sensação é o espaço; e o verso
trespassa o tempo como os sonhos
(é contra o tempo toda perfeição);
e logro, traquinas, o eterno: rio
atuado pela imaginação.
Infância
Na Ilha de Algodoal, eu, Daniela
e nossas mães. Tranqüilidade, muita
comida, nostalgia compartilhada
da infância no interior.
Na última tarde, almoço em casa de Cuíra,
amigo pescador. Apenas peixe frito com farinha.
Antes da primeira posta, as mães brincaram
de irmos todos ao restaurante da pousada;
mas logo o sabor batia em pleno na alma interiorana:
o quintal, o mato, o peixe recém-pescado,
o fogareiro, a farinha - Maria e Luíza voltaram
aos rios de origem; antes resistentes,
elas agora perderiam até o barco,
mas peixe não sobraria.
Pirenópolis
A clepsidra das cachoeiras
de pedra em pedra
vira a nuvem
que devolve para o cimo
as quedas:
o Tempo é um menino
no escorrega-bunda da serra.
Ars poetica
Sair para a natureza,
tateá-la: instante de milhões de anos.
Subir à unidade
da imaginação: infância;
misturar de novo a água
e lançar a origem.
Voltar da natureza:
reter a palavra prima,
e constituí-la
como àquela fresta em que,
semi-acordados, sonhamos ainda,
furtivamente gerando as imagens.
5 comentários:
Filosoficamente, somos conflito, lutamos para ser, na eterna busca por um lugar no mundo.
A arte somos nós, a medida que ela é a nossa farsa, nossa transmutação sobre o outro... é o mistério...! fugimos do auto-desastre pela irrealidade
mentimos em viver? a arte mente?
Penso q no princípio era o verbo que fez-se símbolo, que fez-se arte, pela cor, pelo som e pela palavra.
Buscar a palavra é encontrar-se com o "verbo", primordial, da "criação",... o big-bang. É a ideologia, a crença, a fé, o amor.
A poesia não é vã, pois sua origem é nobilíssima, e sua proposta é irrecusável... ela diz - vamos lá, vamos viver, vamos (re ) criar no poder quase epifânico do verbo.
Foi o q fizeste não? em (artífice) "...lagarto que ganhou um luoro do sol,/ aprende a copiar sem ter nascido;.../camaleão de trema seriado/imitando entre as gentes imitado..."
Busque, caro, a sua latitude, e a siga, posto q aí está a origem, a auto-hermenêutica.
parabéns !
inês
mano Edson,
é de som este teu ofício com as palavras, é de larvas obscuras que depois alçam voos ainda mais belos, aos burburinhos esculpem suas querências e achâncias, na vaga esquecida sob o manto da madrugada. pegam-me especialmente as coisas que escreves sobre a infância, memórias, natureza, quimeras mais que palpáveis... um prazer ter a tua amizade e a tua correspondência, mestre!
abraços,
r
Pirenópolis é o puro estado de Graça, quando o poeta arrebata sua alma para as montanhas, para que essas sirvam de palco a dança.
Carlos Sousa
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