Certa noite, numa taberna que lutava para se aquecer, um rapaz convidou, amistoso, “Senta aqui, marinheiro!”, não porque o tivesse por colega de barco ou pesca, usou uma expressão local, como outros diriam “Senta aqui, jogador!”. Sentou-se – ainda que estivesse ali só para falar ao dono - e logo todos, animados, trocavam idiomas no balcão e nas mesas. “Marinheiro!”, recordaria sempre, com alegria.
Na noite do Sonho, acordara num rompante, em pé, perto da cama, passando da estranha realidade onírica para uma certeza espantada: o Sonho, tivera o Sonho - tentou lembrar as imagens, nada, andou pelo quarto, não podia ser - fora tão nítido - horas sonhando, revelações, sentimentos insólitos – sem uma imagem. Ora, fora o Sonho, sem dúvida, tão claro, “ordenado” - recordaria, com certeza - mas, dois dias depois, nada recordou, e se resignou à incógnita do quanto esperaria pela missão.
No início, até deslumbrou-se com a expectativa pelo novo destino e com imprecisos delírios de nobreza. O ritmo das semanas diminuiu, quanto teria que esperar, dias lentos, por que não recordava uma só imagem, lentidão entorpecedora: vontade de fazer algo, gritar, apertar um botão, correr até pronunciar uma palavra de milagre - mas só podia esperar, e a ansiedade virou insegurança (que prova, afinal, tinha de que fora mesmo o Sonho?), e o tédio misturou-se à melancolia, e a lentidão dominou-o como uma engrenagem.
Quatro meses de angústia, fazer alguma coisa, reagir, e decidiu correr, suar, cruzar a noite, porto, cheiros, um bar igual à taberna de anos atrás: “Marinheiro!”, lhe tinham dito, “Marinheiro!”, diz agora, em voz alta, parando frente ao bar; “Marinheiro!”, repete, baixinho. Volta-se como se ouvira algo, e recorda não o Sonho, mas os significados, as sínteses (as imagens transformadas em palavras): o Universo era onisciente de si mesmo - desenvolvera uma consciência física, das coisas físicas, da matéria; consciência que estava em todos os lugares e em nenhum, que era um todo, que “agia” enquanto um todo. Esta onisciência, autoprotetora como um corpo ferido – como um deus -, produzia em si a defesa e a cura: não apenas da Terra, mas do Universo, uno. Súbito, volta uma imagem do Sonho – imagem cinza, não em preto e branco, cinza, árvores, árvores, milhares, uma floresta de pé, intacta, de árvores cinzentas. Ainda parado, vê o lugar e o ano em que nascerá: Belém, 2010.
2 comentários:
Muito legal marinheiro
é isso aí, jogador!valeu
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