Súbito, o menino acorda.
Noite, luzes - e uns homens. O menino corre, luzes ofuscantes, galpão, os homens se aproximam, túnel, o menino se desvia de carros, shopping, se encolhe entre milhões de rostos, entra numa loja de óculos, os cinco homens passam, bermuda, terno, camiseta, jeans, boné, na discoteca, jovens fantasiados, o menino vê brilho, brilho, corpos, corpos, todos com máscaras, deserto, o menino corre, os homens estão mais perto, um falcão voa ao lado do menino esbugalhado, parque de games, o menino joga de capacete, telasonçasruascasasprédiosnavesmarcódigosredes, estrada de terra abandonada, o menino corre furiosamente, os homens levantam poeira, todos de bermuda e sem camisa, Belém, Porto Alegre, São Paulo, Nova York, o menino pilota uma nave, se conecta a um cardume gigantesco, conhece milhões de pessoas num segundo - ruazinha antiga... o menino diminui o passo, pela primeira vez em semanas... também os homens querem recuperar o fôlego, chuva... tudo parece diminuir de ritmo, a agonia – alívio... o menino dobra numa rua estreita, os homens não podem vê-lo, mas prosseguem devagar, braços relaxados... a chuva acalenta o corpo encharcado, casinhas centenárias... o menino sabe que os homens, árabe, brasileiro, chinês, espanhol, inglês, também pararam, na ruazinha oculta, a roupa molhada e suada... os perseguidores o seguiram, mês após mês, correram com ele, foram a única companhia... agora, olham para baixo - o menino sabe, sente o mesmo, por alguns instantes é como se se fitassem de perto - andam devagar, dobram a esquina, o menino reaparece à frente... a chuva cessa, ouve-se um pipoco e as luzes da rua se apagam – o menino e os homens param, e andam rápido, outra vez desconfiados, então param - o menino não se volta, sereno, olha a escuridão, ouve mínimos sons - anda em direção à praça vazia, também não tem luz, os homens o seguem calmos - se o menino se virasse, poderiam se distinguir as feições - uma lâmpada se acende com estralo, todos se voltam, são ofuscados pela luz da lâmpada refratada no laguinho da praça - o menino concentra os olhos andando, tenta fugir aos raios, não consegue - para, ouve, avança para o lago com os olhos quase fechados -volta-se, e os homens desaparecem como se fossem miragens – anda rápido até sair dos raios, contornando a lagoazinha - dois peixes saltam, o menino ergue a cabeça, ri, olha atento à espera de novos peixes - a água tá bonita, cheirando a chuva - ele olha a água simplesmente, sem pensamentos, sem mágoas, encantado - nem nota o resto de manjedoura num canto do lago, desfeita pela chuva - curva-se e molha a mão, uma folha cai perto de outra, um inseto voa em direção à lâmpada, algumas luzes se acendem na praça – a água está imóvel - súbito, o menino acorda.
Noite, luzes - e uns homens. O menino corre, luzes ofuscantes, galpão, os homens se aproximam, túnel, o menino se desvia de carros, calcula num flash velocidades e direções, concentrado entre caminhões, pressionado, fugindo, tão concentrado que tem uma visão, quatro imagens, rapidíssimas, mas nítidas, reais: jovens fantasiados numa discoteca – falcão – ruazinha antiga - a luz de uma lâmpada contra ele, refratada pela água – o menino corre, corre, mas agora vê tudo com clareza, como se andasse, os prédios, as atividades, um menininho louro, um guarda de trânsito - diminui o passo, sente vontade de saber, de perguntar, por que corre, por que nunca acaba, e, num impulso, o menino para - o que acontecerá? -, os homens param.
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