quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

QUATRO POEMAS





À musa

Isso a poesia pode fazer:
prender o tempo, para passares.
Reter o tempo, vedá-lo numa fresta
de linguagem -
para fechares os olhos
até a música,
para levares a beleza em clara
ao ato da cor.

 
A raiz do adeus

Dedicação repleta
só de nós dois.
As raízes afundadas
até o sol.

Então a árvore que fomos
já não suportava tanta luz.

E a lua deixou a noite.

E a primeira folha
amareleceu de chuva.


 Asa sangrada

O que mais me atrai - atormentador:
revoasas em desejo, ninfomanias.
A menina livre foi manchada
em seu voo mais violento
- e portanto suave,
mais alto
- e portanto junto de si mesma,
mais estrondoso - e portanto em silêncio.
A covardia do mundo é a fragilidade.
A fragilidade é a selvageria.

Estarás sempre acima e além dos deuses
que matam jovens os filhos prediletos.
A palavra com que te justifiquei (te justicei)
ainda poreja sangue sob a lua.
Teu voo quebrado geme em minhas mãos.


A vampira e o poeta

“Me lês muito, me lês demais”,
ela elogiava-alertava.
E também, sincera:
“Desiste, cara:
não posso dizer te amo, ou te quero,
nem que estou apaixonada;
pois não sei dar garantias,
estabilidade: não sou oferecer
segurança.”
“Não sabes é ser serenidade -
não tens essa palavra em ti”.
“Tu lês muito!”.

 “Minha namorada
não sabe namorar,
só transar”,
entendi,
deslumbrado,
assustado;
“E por onde andará?”.

Certa vez, porém,
durante a transa,
ela desceu, desceu a leves asas,
aninhou-se sobre mim
transfigurada
e, serena, serena,
entregou os olhos
para meu silêncio:
“Tu sabes ler?”.

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