quinta-feira, 1 de março de 2007
Dois relatos
No limite
Nina anda arriscando tudo no sexo com Zeca; da última vez, sassaricou numa festa e durante a transa negaceou, insinuou, negou mas deixou no ar os amantes que ele inventava; “Você se surpreenderia se soubesse de um!”, disse certeira, e Zeca dominou-a com tal ímpeto que Nina escangotou-se em gemidos.
Ela tem vinte e dois anos, o namorado, vinte e sete. Às vezes Nina bebe demais, chora por mil coisas, transa como louca. Ele treina jiu-jitsu pra atender ao instinto violento.
Chegam de moto ao sítio de um amigo, festa de alta voltagem, vodca geladinha que atraiçoa.
Música; dança; gargalhadas.
No auge da bebedeira, Nina descreve os vários tamanhos de pênis, e as vantagens e desvantagens de cada um. Zeca puxa-a pelo braço e ela ainda berra “Mas nada se compara com uma transa a quatro!”.
Ele empurra-a para longe da casa, Nina agora não emite um som, Zeca não esquece as descrições.
Quando os gritos não seriam ouvidos, sacode-a pelos cabelos, e ela caçoa do “peru” dele.
Zeca vai assassiná-la, precisa controlar-se, mas não consegue; “Eu vou te matar! Eu vou te matar!”, sujeita-a com uma violência que a choca, obriga-a, ela cavalga-o, Zeca arria a chibata da mão, minutos depois Nina é que grita e geme, e passa a arranhar, morder, beijar, com extrema violência e amor. Surpreso e grato, ele observa-a gozar como numa cura, e quanto mais Nina urra, mais Zeca se deixa espancar.
Ela chora em silêncio à beira do rio.
O novo dia é o de maior paz em suas vidas, e Nina está mais exausta do que o marido.
Breve história sem tempo
Chama-se Tomiko, e se acerca do mar duas vezes por dia. Nós, que conhecemos sua história, já não fazemos perguntas.
Há trinta anos, Tomiko foi para Tóquio, e o namorado, Solano, ficou no Rio de Janeiro.
Muito padeceram a ausência temporária, aliviada por cartas, telefonemas. Unidos pela mesma paixão e solidão.
Aceitavam a distância em nome do futuro, mas uma noite Tomiko assustou-se na cama. Deu-se conta de que eram isolados não pelo espaço, e sim pelo horário. Um dormia ou se divertia enquanto o outro trabalhava. Ânimos sempre diferentes, estados de espírito desencontrados. O espaço separa, o tempo os afastava.
Logo tudo dividiu-se entre dia e noite, e Tomiko encheu-se de temor.
Combinaram, então, lembrar coisas um do outro nas horas que não são claras nem escuras. Nem no Japão, nem no Brasil.
Ao amanhecer, ele via o sol nascente; ela, o mesmo sol se pondo no mar. E o inverso. Anoitecer e amanhecer tinham as mesmas cores, pensamentos, evocações. E duas vezes por dia, às seis horas, Tomiko e Solano se lembravam coisas boas, até telefonavam, no início.
O tempo dissipou muitos sonhos, menos aquele estado produzido pela imaginação. Lembrar um do outro, nos minutos combinados, passou a ser mais real que as paisagens. Mesmo quando esqueciam de lembrar.
Às vezes, só horas depois recuperavam o pensamento perdido. E até só na manhã seguinte.
O estado de carência e paixão, no entanto, aquele sentimento uno, existia em si mesmo; dentro e fora deles, intacto, sempre que era ocaso e aurora. E os uniu até depois que se casaram, e passaram a fitar o mesmo dia e a mesma noite.
Solano celebrou “meio século”, fez tudo por uma semana com os filhos, parece que pressentiu o infarto.
Desde então, quando amanhece e anoitece, vemos Tomiko ao mar, falando com o marido morto. Para ela, nestes momentos, não é nem dia nem noite, nem vida nem morte. Apenas, mágico e real, aquele mesmo sentimento perfeito, o mesmo estado da imaginação a reuni-los.
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