sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Poemas do livro "Do real imaginado"
Alumbramento
O universo se aninha
à minha filha
que ainda não nasceu.
Dar-lhe um nome
é gerar nos feixes amnióticos
o espaço paralelo
dos símbolos.
Palavra-genética
como o liquor da biosfera
e o colostro da Via Láctea,
que não eu, mas a mãe
(condão de verbo
sobre todas as coisas)
deve amar
até pronunciar.
Dualistas
há fúrias que seqüelam a vontade
mesmo do mar; ignaro, sanho e estrujo,
arrebento-me ao meu tempesto jade
e contra mim descanso a tempestade
e parto em mim o polvo-subterfujo;
sou, sem saber, o mar e o marujo;
sempre em turvas fraturas, a verdade,
e tanto mais valente, inda mais fujo
e tanto mais covarde, inda mais rujo,
minha vítima própria em dualdade;
sonhei-me um mar com foz: em caramujo
: afloro a fundo a íntima metade
A imaginação e os cristais
Nossas células-tronco,
lago anterior à clara,
banharam milenarmente plácidas
as gradações de medula;
a imaginação eclodiu sobre as gemas
como se a água nos criasse
para ver-se.
O que meu corpo
sonha
agora?
Que fulgor se grota
ao leito túrgido
das simulações?
Quantas eras
até consumar-se, noutro demiurgo,
a palavra da qual apenas
sou uma existência?
Brinquedos
Não estava acostumado
com televisão,
e o Falco foi massificado:
um precursor do Rambo.
Desembrulhado, porém,
o herói era estático
como plástico
e o menino sofreu
de publicidade.
II
A boneca
ou o Soldadinho de Chumbo
têm que realidade,
agora que só os lembramos?
Que palavra de verdade
dizer ao Saci de pano
com quem numa gaveta
topamos?
III
Primeiro, sente o cheiro
da caixa: patchouli
envelhecido.
Retira a Emília de pano,
e cuidadosamente
absorta
lava-a: corrige cada
pequeno furo
ou imperfeição:
perfuma-lhe
e enlaça o cabelo.
Quando era criança,
falava mais que a boneca;
hoje, apenas chora,
chora, chora cuidadosamente,
e a Emília de novo lhe sorri.
Transamazônica
Nem fotografia tenho
do lugar onde a infância
floresceu e passou;
certa vez,
já vinte anos depois,
estive às pressas,
trabalhando,
numa cidade próxima:
a setenta quilômetros
de minhas lembranças,
e não as conheci.
Hoje, que chove, e a palavra
(espaço sem tempo)
torna, de fato, una
a estrada que me criou
e a que me reconciliaria,
levanto na memória
(tempo sem espaço)
esta poeira-poema;
e a seiva, finalmente, dos olhos
se assenta como um cristal.
Edson Coelho de Oliveira
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