
32 - A primeira namorada
Quando Carlinhos tinha treze anos, tentou com dois amigos assaltar um senhor em Copacabana. O homem reagiu com chutes, foi ferido na mão, e, num carrinho próximo, pegou o furador de cocos. Enterrou-o no olho esquerdo de Carlinhos.
Quando Carlinhos tinha treze anos, tentou com dois amigos assaltar um senhor em Copacabana. O homem reagiu com chutes, foi ferido na mão, e, num carrinho próximo, pegou o furador de cocos. Enterrou-o no olho esquerdo de Carlinhos.
Um mês depois, o menino teve alta do hospital. O glóbulo fora extraído e, em casa, o ferimento não recebeu maiores cuidados. A cicatrização repuxou para dentro a região atingida, criando um pequeno buraco em nódulos, como um umbigo.
O tempo passou mastigado, como se o adolescente e depois o jovem contasse cada segundo. Carlinhos completa vinte e um anos, jamais esquecerá a dor quando o olho foi atravessado. Tão aguda que ele sentiu que morreria de dor. Tudo então turvou-se, e pensou na mãe.
Sempre que Carlinhos está triste, ou sofre algum baque, a dor retorna com laceração. E nela o jovem descarrega o ódio. De tal forma que às vezes não sabe se o que dói é o olho, e a má-cicatrização perto do cérebro; ou se revive a dor para sentir-se mais forte diante das dificuldades. Convive com a dor o tempo inteiro.
Carlinhos nunca teve namorada. Trabalha como carregador num supermercado. Já brigou por terem zombado de seu olho, e bateu numa prostituta que tocou na cicatriz.
Juliana vende água de coco. Na praia, perto do supermercado em que Carlos trabalha. Fitam-se todo dia, ao longe, ela com o furador de coco na mão.
Domingo, Carlos tem que fazer um trabalho extra, chega às seis da manhã. Dobra na rua do carrinho de coco: só pelo hábito, é cedo demais. Mas lá está Juliana!
Carlos aproxima-se pela primeira vez, evita olhá-la de frente, ela ri: pega o furador, faz a água espirrar, e entrega-lhe o coco.
Ele aceita, ri sem graça, ela olha-o com doçura.
Dizem-se os nomes, constrangidos, mas as frases não se liberam. Juliana, então, súbita, toma-o pelo braço e andam até o mar.
Sentam-se, de frente para o dia nascendo.
O barulho das ondas, o cheiro.
Ambos estão tranqüilos e surpresos, ela por entregar-se a um impulso, Carlos porque permite ser olhado de frente.
Dão-se as mãos negras, andam ao longo da orla.
Marcam encontro para o amanhecer seguinte.
No terceiro dia, beijam-se.
Duas semanas depois, ela beija-o em todo o rosto, e no olho ferido; beijinhos rápidos, cheiros, risinhos. Olha-o, e toca-o brincando na cicatriz, e ele ri e ri.
Pela primeira vez, Carlos não sente a dor do olho, o cérebro desanuviado como por magia.
No encontro seguinte, à tarde, ele usa pela primeira vez óculos escuros.
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