segunda-feira, 5 de outubro de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


40 - Bicicletas

Não sei se o leitor avistou um tipo de pessoa que aponta de bicicleta no alto das ladeiras, e desce sem controle, ganhando velocidade, até que bota o pé no asfalto e freia com a sola do sapato (ou do pé mesmo), e para a centímetros dos carros em disparada. Bicicleta completamente sem freio, adrenalina social.

Certa vez, um casal percorria a cidade nessa situação: a magrela não tinha freio, nem garupa: e a esposa do ciclista ia no varão, dificultando a necessidade de ele brecar com o pé: esporte urbano em dupla de alto risco sobre duas rodas. A Feira da 25 é point: os distintos curtindo a ladeira sem freio - as bicicletas a ponto de se desmancharem à frente dos carros -, tão acostumados que não se tem notícia de acidente.

Tenho cá minhas aventuras com bicicletas. Morávamos na Transamazônica e, para ganhar as primeiras bikes, eu (8 anos) e meu irmão Edinaldo (9 anos e meio) capinamos toda a roça de pimenta-do-reino (3 mil pés). As bicicletas que o pai deu como prêmio eram “semi-novas”, mas que festa! À época, nosso quintal prolongava-se na floresta, e a cidade próxima, Altamira, parecia mais distante que os 75 quilômetros de poeira. No isolamento, engatávamos a aventura de jogar bola nos vilarejos vizinhos (a 30 quilômetros), um time inteiro de bicicletas inverossímeis.

Tempos depois, em Castanhal, eu já com 16 anos, percorri de bike muito lugarejo, e jamais esquecerei o presente de minha irmã Beth: uma bicicleta de marchas - aquelas catracas e coroas especiais -, raríssima à época no município. Três meses depois, roubaram a jóia da frente de uma loja de discos, onde eu ouvia Lou Reed, Bob Dylan e Amado Batista.

Em Castanhal, também convivi de perto com a ciência de ter uma bicicleta aos pedaços. A catraca, por exemplo: as molas eram improvisadas com pedacinhos de sandália Havaianas; as agulhas e conexões se resolviam com arame de caderno escolar; já o freio (sim, o freio) funcionava com varetas em arame de construção civil. Um troço assim iria, de hora pra outra, deixar alguém na mão, ou na estrada, já que o futebol ainda nos levava longe; como socorro, o time tinha uma pequena caixa de ferramentas, com três chaves e apetrechos que não ouso discriminar.

Meses atrás, comprei uma bike incrementada, andei duas vezes, e fui alertado sobre assaltos em certos bairros - os que mais me interessavam. Presenteei a bicicleta, e me consola o fato de que o trânsito sobre duas rodas - sem freios - é perigoso como o dos carros. Pior é na estrada: quando ultrapassamos bicicletas sob as estrelas e começo a falar da infância, e minha esposa (implacável, criada em apartamento) finca o pé no acelerador, a praia já perto de mar doce.

Um comentário:

Anônimo disse...

cadê?