segunda-feira, 21 de junho de 2010

RESENHA DE PAULO NUNES

O texto abaixo é do escritor, poeta e professor Paulo Nunes, sobre meu livro "Do real imaginado", que publico aqui no blog.


Palavra: que instigante potência a vossa – Paulo Nunes[1]

Este livro pode passar despercebido aos olhos de um apressado visitador de livrarias. Miúdo, capa branca, de editora de tímida projeção. Estou a falar de Do real imaginado, do jornalista e cronista Édson Coelho. 92 páginas, 11 X 20 cm. Trata-se de um investimento seguro da Projecto Editorial, de Brasília. A editora, capitaneada por um poeta também, investe em escritores das mais diversas tendências e nos brinda, neste início de 2008, com esta coletânea de poemas, prefaciada pelo mestre Ernani Chaves.

Não digo que o livro é irretocável de lés a lés (como o são as crônicas deste criativo escritor), haveria, certamente de se selecionar (a seleção entretanto é uma busca individual) alguns textos e pedir a outros que se retirassem do livro? Faltaria educação para tanto (falo da “educação pela pedra”, bem dito). O poema que dá nome ao livro é uma peça instigante. Nele, elementos da narrativa deixam antever um prosador engrenado nos artelhos da narrativa (tempo, espaço, margem/ns), mas salta aos olhos o intertexto com Age de Carvalho e, sobretudo, Drummond, o Carlos, que nos batizou a todos que gostamos de poesia em língua portuguesa. Outro vetor de inspiração (espelho a contemplar-se?) é certamente Fernando Pessoa e seus heterônimos (a primeira parte do poema “O Andarilho” é de fina, sofisticada, beleza). Neste mesmo texto pululam entrançados textos, que vão desde os gibis até escritores clássicos. O intertexto, insisto, é uma funda inclinação da poética de Édson, que neste poema parece reescrever, em versos, o Atlas de lugares imaginados. O “nonsense” é uma busca constante do poeta, que ali teve seu ponto alto.

Das fortes emoções que tocaram este leitor que vos fala é o poema “do Éden”. A força do texto está na dicção precisa, na falta de conexão, pois poesia ali é sugerir e não a sintaxe da argumentação, que é explicitadora. Na mesma linha está “Canção da noite”. Bela geografia de desejos com poucas palavras, em sete versos (o número cabalístico é mera coincidência?). A cultura das aparências, por sua vez, é defenestrada num ácido poema-confissão – “Sílica”: “[a mulher afronta a todos com] plásticas até no clitóris”, dizem dois versos – em que o eu-lírico se desnuda (ah adolescência nossa o quanto devemos a ti!) e parece reavaliar a si próprio.

A metalinguagem é, pelo que percebi, o mais forte traço do livro. E ela está a todo vapor em “Arte poética”; nele, o poeta recoloca a máxima de que o silêncio é de ouro (mesmo que a palavra faça muito). A metalinguagem, agora mais rolambarthiana do que nunca (falo da idéia de que o corpo da letra é uma re-significação da escrita da vida), traspassa o poema “Tempo ditado”, uma pungente homenagem do poeta à sua filha.

É isso. “Do real Imaginado” faz jus ao escriba que transita habilmente no solo da palavra-terra (a metáfora está recriada no livro), onde poetas tão bons se fizeram, se fazem: Bruno de Menezes, Paulo Plínio de Abreu, Ruy Barata, Mário Faustino, Age de Carvalho e o incomparável Max Martins, somente para se citarem alguns de gerações que nos antecedem.


[1] Paulo Nunes é doutor em literatura; professor da Universidade da Amazônia, Belém-Pa.

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