Na
areia imemorial, o olho se forma – pequeno redemoinho.
Atravessa
os meridianos, as temperaturas, as cores – um diâmetro de cerca de quinze
metros, a produzir estranho som – uma onda, contínua, não um zumbido, onda
oval, que dá voltas sobre si mesma, e parece sempre se aproximar de quem ouve,
mas nunca chega.
Linha
do Equador. Belém, Amazônia. O olho para sobre a floresta, iluminando as diminutas
ilhas. E, em volta, tudo se tranca – as frestas das casas, os telhados, as
portas, janelas, porões, tudo o que veda a luz do sol se fecha, tudo o que
impede a passagem da chuva se trava, ninguém entra, ninguém sai. Madrugada atônita.
E o
som – o que será?, todos se perguntam – quem está nas ruas pensa que o som se
produz dentro das casas trancadas; quem está nas casas pensa que se produz nas
ruas. Parece mesmo se aproximar, mas nunca chega. Medo de algo brusco, uma
explosão, ou falta de ar, ou fogo disseminado. O olho, no entanto – tudo capta
– tudo lembra – tudo reflete – tudo constitui – e esquece.
Cada
imagem – milhões por minuto - é plasmada, deposita-se no fundo do glóbulo, e
pinga – o olho pinga, sempre, captando e pingando sempre, enche-se e vaza,
mareja-se e rechaça-se, sempre cheio e sempre vazio. O barulho (que ensurdece
por dentro, dentro da gente, onda, vibração que desperta o som no íntimo dos
homens) é esse movimento do olho de se ver e cegar – ver-se e cegar-se. O
barulho é a movimentação dos círculos da memória em cada um.
A
maioria demorou a perceber que o som – as ondas, as vibrações – já não se
aproximava, mas se distanciava – tão aos poucos que é como se não se afastasse,
apenas uma impressão. Dentro da gente.
O
olho pinga, retornando, pinga, paira outra vez sobre o deserto. E se inicia um
novo redemoinho, uma nova tempestade – não um novo olho. E o glóbulo é
envolvido no ar pela areia, e soterrado ainda no ar pela areia, os últimos
plasmas, as últimas gotas, tudo seco, áspero – o olho cai no deserto. E é
coberto. Recoberto. Afundado. O barulho é sufocado. Não mais vibra. O barulho
tão íntimo, tão meu, tão teu. A memória só nossa que não terá uma segunda
chance entre os irreconciliáveis grãos do esquecimento.
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