segunda-feira, 22 de abril de 2013

CONTO INÉDITO





O olho de areia

Na areia imemorial, o olho se forma – pequeno redemoinho.
Atravessa os meridianos, as temperaturas, as cores – um diâmetro de cerca de quinze metros, a produzir estranho som – uma onda, contínua, não um zumbido, onda oval, que dá voltas sobre si mesma, e parece sempre se aproximar de quem ouve, mas nunca chega.
Linha do Equador. Belém, Amazônia. O olho para sobre a floresta, iluminando as diminutas ilhas. E, em volta, tudo se tranca – as frestas das casas, os telhados, as portas, janelas, porões, tudo o que veda a luz do sol se fecha, tudo o que impede a passagem da chuva se trava, ninguém entra, ninguém sai. Madrugada atônita.
E o som – o que será?, todos se perguntam – quem está nas ruas pensa que o som se produz dentro das casas trancadas; quem está nas casas pensa que se produz nas ruas. Parece mesmo se aproximar, mas nunca chega. Medo de algo brusco, uma explosão, ou falta de ar, ou fogo disseminado. O olho, no entanto – tudo capta – tudo lembra – tudo reflete – tudo constitui – e esquece.
Cada imagem – milhões por minuto - é plasmada, deposita-se no fundo do glóbulo, e pinga – o olho pinga, sempre, captando e pingando sempre, enche-se e vaza, mareja-se e rechaça-se, sempre cheio e sempre vazio. O barulho (que ensurdece por dentro, dentro da gente, onda, vibração que desperta o som no íntimo dos homens) é esse movimento do olho de se ver e cegar – ver-se e cegar-se. O barulho é a movimentação dos círculos da memória em cada um.
A maioria demorou a perceber que o som – as ondas, as vibrações – já não se aproximava, mas se distanciava – tão aos poucos que é como se não se afastasse, apenas uma impressão. Dentro da gente.
O olho pinga, retornando, pinga, paira outra vez sobre o deserto. E se inicia um novo redemoinho, uma nova tempestade – não um novo olho. E o glóbulo é envolvido no ar pela areia, e soterrado ainda no ar pela areia, os últimos plasmas, as últimas gotas, tudo seco, áspero – o olho cai no deserto. E é coberto. Recoberto. Afundado. O barulho é sufocado. Não mais vibra. O barulho tão íntimo, tão meu, tão teu. A memória só nossa que não terá uma segunda chance entre os irreconciliáveis grãos do esquecimento.

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