Em
Marabá não é diferente: a cerveja da sexta é pra descarregar a semana, a galera
mais relaxada, as buzinas mais eufóricas que estressadas. Assim também para Jorge Guedes, professor até as 18h, escritor frustrado noite adentro.
O
lugar, clássico do núcleo Nova Marabá, um dos três que formam a cidade, é um
largo com banca de revista, dois bares (as mesas e cadeiras de plástico,
amarelas e vermelhas), estacionamento, supermercado, farmácia, telão animado
com mídias eletrônicas, parabólicas, antena em torre de recepção e/ou
transmissão sabe-se lá de quê.
Cerveja.
Papo com os vizinhos das mesas em volta. Garçom brincalhão.
A
noite se aproxima. E elas chegam – centenas, milhares de andorinhas, às voltas,
sincronizadas, são as notas e os instrumentos da sinfonia. E nosso amigo Jorge
Guedes é tomado por uma inspiração – que não lhe acorrera das outras vezes em
que assistira à cena: as andorinhas têm não apenas radares individuais, mas
formam um enorme radar em si mesmo, onisciente em si de todos os movimentos isolados.
Não se desviam individualmente, aos círculos ou parábolas; formam um organismo
completo, milhares de peças, e executam as evoluções uniformemente, da primeira
à última conectadas, coordenadas, determinadas por um todo.
Milhares
de andorinhas voando a velocidade pouco urbana, a centímetros umas das outras,
e nem um choque, nem uma alteração – o todo em movimento - produzindo desenhos
parecidos com os que as músicas geram numa tela de computador, imagens difusas
e improváveis, cores caóticas, formas surpreendentes que correspondem a sons
mais ou menos graves, extensos ou curtos, instrumentos diferentes. Imagens,
aliás, identificadas com as que se formam no telão eletrônico embaixo da
coreografia passarinheira.
Jorge
Guedes também entende logo – as andorinhas estão formando imagens para quem vê
de fora – para quem vê como um todo, e não intrinsecamente – formam desenhos
numa clara interação com a galera embaixo, cerveja, mesas sintéticas, tênis de
látex.
“Não
se choquem, meus amorezinhos, que nenhuma respingue aos meus pés o sangue da
poesia”, Jorge Guedes deseja com todo o seu talento literário.
O
guardador de carros ergue o punho, e dispara - o fogo de artifício atravessa a
sincronia das andorinhas – choque - e quatro caem espedaçadas aos pés de mesas
e clientes.
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