
28 - “Sem conflito, não tem teatro”
Teatro, a arte da vida. No tablado, o ser humano é a tela, a partitura; ali, o ator – coração, pâncreas, mãos - é que é o principal elemento da obra de arte.
Teatro, a arte da vida. No tablado, o ser humano é a tela, a partitura; ali, o ator – coração, pâncreas, mãos - é que é o principal elemento da obra de arte.
Em pouco mais de uma semana, morreram três personalidades do teatro brasileiro: Raul Cortez, Gianfrancesco Guarnieri e o diretor paraense Luís Otávio Barata. Pessoas que entregaram suas vidas para outras vidas - no palco, e, doação recíproca, com a platéia.
Luís Otávio, companheiro de uma geração relevante do teatro paraense (Walter Freitas, Geraldo Sales, Cacá Carvalho...) segue a nos guiar bem para este outro universo: a cena - o ator, a vida –, Romeu e Julieta, dois perdidos numa noite suja.
Já repeti dez vezes que a metáfora é que nos tornou humanos. Olhávamos a lua, e como não a entendíamos, dela nos aproximávamos com uma metáfora ou um mito: e a lua foi o rosto de pessoas mortas, ou de uma deusa da chuva; nossa primeira relação com o meio – com o “real” – foi assim pura imaginação. E não mudou muito.
Se víssemos por trás do que chamamos “realidade” - por trás do ser humano - constataríamos que quase tudo é fachada. O “real” é um código de conduta, um terreno neutro, onde mentimos para não matar uns aos outros.
A cena é uma máscara, não uma fachada; o personagem não é um real enganoso, mas uma “persona” que não tem como mentir ao público; tão real que substitui a “vida verdadeira”, a encenar os mesmos dramas e alegrias, esperanças e desolação. Entrega do palco – o autor que incorporou cada personagem, o diretor que formatou o tempo e a emoção – e da platéia: transportada, vivificada num âmbito paralelo, desligada das emoções que já conhece; renovação, purificação do ator – catarse – e do público. “Sem conflito, não tem teatro”, diz o grito de guerra do palco; “a arte da vida”.
Vencer a falsidade do real com a realidade da imaginação; e, pela onipresença da arte, superar o maior dos desconhecidos: não há, como caçoaria o próprio Luís Otávio, espetáculo mais paralelo que o de depois da morte.
10 comentários:
Exacto. Somos o que escrevemos, mas nem todos o conseguem ver.
Um grande beijinho
Bela maneira de interpretar o real, mesmo se desde os primordios nao conseguimos provar sua existência.
" O poeta é um figidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente"
Fernado Pessoa não pensou no tablado, nas máscaras, nem na representação que materializa espetáculos centenários. Entretanto, como não cantar a arte que expressa, enternece, emociona, há milênios e continuará a fazê-lo memo quando não mais estivermos aqui para lembrá-la. Não é o fim. Outros farão por nós!
Beijos!
Carla Vianna
Edson: suas crônicas são como torpedos na guerra dos trôpegos.
De prima!
Abçs.
Benny Franklin
amigos, agradeço a leitura e os comentários. palavras só têm sentido quando tocam - a sensibilidade, a inteligência e/ou a sapiência. obrigado pelo sentido que vocês têm dado às minhas palavras.
EDSOM, VOCÊ ARREBENTOU EM SENSO E VERDADE TANTO LÁ QUANTO CÁ.
GOSTO QUANDO VOCÊ APARECE E ASSEMELHAR AS PESSOAS COM A MANDALA DE ARAME FOI UMA DAS COISAS MAIS GENIAIS QUE JÁ LI.
Edson, mi viejo, voce matou a pau na definição do homem-churrasco etc. gracias -é coisa para eu reeditar a tal cronica. grande abraço do freguês cativo aqui dos azougues. xico sa
Bonito tanta troca de carinho! nem precisas mais do meu.
Inês, você tem feito algumas das mais inteligentes e acuradas observações sobre meus escritos. não sei se o nome disso é carinho, sei é que agradeço e preciso, claro.
muito bem colocado o teatro como a arte da vida.
arte que ganha vida com o ator; que tem vida.
a cena como máscara, cai como uma luva para mãos que tateiam um terreno às vezes obscuro do teatro.
isto traz a verdade de uma cena, a sua realidade, talvez usando a metáfora como instrumento, a melhor forma de transformar em cena a própria vida, o que temos, o que somos....
“Sem conflito, não tem teatro” esta é a vida do teatro!
gostei muito do blog!
Um abraço.
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