segunda-feira, 13 de julho de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


28 - “Sem conflito, não tem teatro”

Teatro, a arte da vida. No tablado, o ser humano é a tela, a partitura; ali, o ator – coração, pâncreas, mãos - é que é o principal elemento da obra de arte.

Em pouco mais de uma semana, morreram três personalidades do teatro brasileiro: Raul Cortez, Gianfrancesco Guarnieri e o diretor paraense Luís Otávio Barata. Pessoas que entregaram suas vidas para outras vidas - no palco, e, doação recíproca, com a platéia.

Luís Otávio, companheiro de uma geração relevante do teatro paraense (Walter Freitas, Geraldo Sales, Cacá Carvalho...) segue a nos guiar bem para este outro universo: a cena - o ator, a vida –, Romeu e Julieta, dois perdidos numa noite suja.

Já repeti dez vezes que a metáfora é que nos tornou humanos. Olhávamos a lua, e como não a entendíamos, dela nos aproximávamos com uma metáfora ou um mito: e a lua foi o rosto de pessoas mortas, ou de uma deusa da chuva; nossa primeira relação com o meio – com o “real” – foi assim pura imaginação. E não mudou muito.

Se víssemos por trás do que chamamos “realidade” - por trás do ser humano - constataríamos que quase tudo é fachada. O “real” é um código de conduta, um terreno neutro, onde mentimos para não matar uns aos outros.

A cena é uma máscara, não uma fachada; o personagem não é um real enganoso, mas uma “persona” que não tem como mentir ao público; tão real que substitui a “vida verdadeira”, a encenar os mesmos dramas e alegrias, esperanças e desolação. Entrega do palco – o autor que incorporou cada personagem, o diretor que formatou o tempo e a emoção – e da platéia: transportada, vivificada num âmbito paralelo, desligada das emoções que já conhece; renovação, purificação do ator – catarse – e do público. “Sem conflito, não tem teatro”, diz o grito de guerra do palco; “a arte da vida”.

Vencer a falsidade do real com a realidade da imaginação; e, pela onipresença da arte, superar o maior dos desconhecidos: não há, como caçoaria o próprio Luís Otávio, espetáculo mais paralelo que o de depois da morte.

10 comentários:

Sara Fidiró disse...

Exacto. Somos o que escrevemos, mas nem todos o conseguem ver.
Um grande beijinho

firmafortedocerrado disse...

Bela maneira de interpretar o real, mesmo se desde os primordios nao conseguimos provar sua existência.

Carla disse...

" O poeta é um figidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente"
Fernado Pessoa não pensou no tablado, nas máscaras, nem na representação que materializa espetáculos centenários. Entretanto, como não cantar a arte que expressa, enternece, emociona, há milênios e continuará a fazê-lo memo quando não mais estivermos aqui para lembrá-la. Não é o fim. Outros farão por nós!
Beijos!

Carla Vianna

Benny Franklin disse...

Edson: suas crônicas são como torpedos na guerra dos trôpegos.
De prima!
Abçs.
Benny Franklin

edson coelho disse...

amigos, agradeço a leitura e os comentários. palavras só têm sentido quando tocam - a sensibilidade, a inteligência e/ou a sapiência. obrigado pelo sentido que vocês têm dado às minhas palavras.

B disse...

EDSOM, VOCÊ ARREBENTOU EM SENSO E VERDADE TANTO LÁ QUANTO CÁ.
GOSTO QUANDO VOCÊ APARECE E ASSEMELHAR AS PESSOAS COM A MANDALA DE ARAME FOI UMA DAS COISAS MAIS GENIAIS QUE JÁ LI.

Anônimo disse...

Edson, mi viejo, voce matou a pau na definição do homem-churrasco etc. gracias -é coisa para eu reeditar a tal cronica. grande abraço do freguês cativo aqui dos azougues. xico sa

IP disse...

Bonito tanta troca de carinho! nem precisas mais do meu.

edson coelho disse...

Inês, você tem feito algumas das mais inteligentes e acuradas observações sobre meus escritos. não sei se o nome disso é carinho, sei é que agradeço e preciso, claro.

Anônimo disse...

muito bem colocado o teatro como a arte da vida.

arte que ganha vida com o ator; que tem vida.

a cena como máscara, cai como uma luva para mãos que tateiam um terreno às vezes obscuro do teatro.

isto traz a verdade de uma cena, a sua realidade, talvez usando a metáfora como instrumento, a melhor forma de transformar em cena a própria vida, o que temos, o que somos....

“Sem conflito, não tem teatro” esta é a vida do teatro!

gostei muito do blog!

Um abraço.