segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


5 - Cadeiras em Mosqueiro

Poucas cenas resumem tanto o belenense quanto esta: as famílias chegam de carro, descarregam cadeiras de praia e sentam-se na praça do bairro da Vila, na ilha de Mosqueiro. Centenas de cadeiras, parelhas, como se o pedaço de praça fosse a sala de cada família, melhor, um trecho de quintal, multiplicado pela afabilidade paraense. Assim se descansa, no coletivo, de um dia desgastante (sol, churrasco, cerveja). Mosqueiro é o quintal do belenense, quintal amazônico, megalômano, com praias de rio em ondas e pequenas casas sobre terrenos enormes.


Sair de uma metrópole para a natureza é trocar o filtro das sensações. Outros horiz,ontes, evocações, sugestões; os prédios virando casas, que viram galpões, que viram o verde e suas casinhas espaçadas como para marcar o caminho. A viagem ativa outras partes da mente, acessa outras funções da memória, como se reencontrássemos cenas antigas ou futuras. É certo que não se deve ir a um lugar querendo ali encontrar outro: cada lugar é único no conjunto das sugestões (de sensações) e a grande sensação em Mosqueiro é a potência produzida por tanta água doce. De qualquer lugar na ilha, tem-se a impressão de que a água nos beira os pés; muitíssimos belenenses ali desfrutaram os mais gratos momentos da infância.

Semana passada, Mosqueiro era palco de importantes facetas do paraense: milhares se acabavam no carnaval de rua e outros ou faziam em casa a folia ou gozavam a preguiça abada das redes ao ar livre. À noite, a ilha converge para a praça da Vila. Os jovens circulam em grupos falantes; as crianças e quem deseja descansar do sol e do álcool sentam-se às cadeiras - são mesmo centenas, um concentrado da pouca tranqüilidade que há na terra, cena idílica de uma fraternização peculiar (sentar-se), pose de paraenses para uma tela de costumes.

A cada vez que penso numa Belém interiorana, acorrem-me os quintais que ainda restam na capital; o hábito de conversar à porta das casas, que a violência aos poucos reprime; e penso na ilha de Mosqueiro, com seus açaizeiros que o vento prefere para dançar, os casarões de época, o bilharzinho emoldurado pelo murmúrio do rio-mar, longe. E aquelas cadeiras na praça da Vila, como num arraial, numa festa de santo; e a tapioquinha nas barracas com nomes de tias nossas.

Tenho fanfarreado que a poesia é o que não se esquece, o raro, a síntese. Caso você encontre um viajante interestelar cuja missão seja conhecer Mosqueiro, e tenha apenas meia-hora para isso, recomende: coma três tapioquinhas (uma com manteiga, outra molhada de coco, outra com queijo), mais um bom copo de café-com-leite, depois, pelos minutos restantes, sente-se numa cadeira entre cadeiras. E poderá o interestelar dizer que conheceu metade da ilha e um poema.

Eu morava em Altamira quando se concluiu a ponte Belém-Mosqueiro, e admirávamos a obra nos jornais, revistas, até em camisetas. Meses depois, mudamo-nos para a capital, e uma das primeiras excursões em família foi para o balneário, e conhecer a tal ponte era quase tão importante quanto conhecer a praia. Praia, praia, praia, água abundante, areia, praia, praia, nome mágico ao menino da floresta, o paraíso é morar em Mosqueiro, Maceió, Fortaleza, praia, praia, impossível haver algo melhor.

Hoje, sento-me muitas vezes num bar acalentado pelas ondas, mas nem piso na areia, e o vento logo leva-me a uma rede tecida de encomenda para as árvores do quintal, e à noite, antes de voltar para Belém, vou à tapioquinha da Vila deslumbrar-me como um ET. Ademais, tem sempre pertinho um carnaval.

4 comentários:

firmafortedocerrado disse...

é edson, esses dias desgastantes fazem falta por aqui. a circunstancia da foto diz tudo:"Até quando agente vai continuar se incinerando?"

E o forum que acontece ai em Belem , como foi a organisaçao? Tens noticias?

Anônimo disse...

mateus, camarada, quando o povo que quer mudar o mundo se reúne em massa, eu me sinto com 15 anos. e, dos 15 aos 25, é a melhor idade. ganhei mais 10 anos, portanto. é sério: é uma delícia encontrar pessoas nas ruas e sentir vontade de beber uma cerveja com elas, em vez de querer estrangulá-las. sim, e há por aqui umas francesas fazendo topless, o que confirma tudo o que eu disse.

Anônimo disse...

Comporte-se! Por favor comporte-se.

Anônimo disse...

Taí.

Texto meio "árcade ".Dispensa maiores acuidades de interpretação.Tranquilo.Vem.Chega.
Convence.Dos que marcam e "ficam" na lembrança do leitor...os atinge em algum "lugar" de suas memórias.
Simples.Valioso, como tudo que nesta vida,... é simples.