terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

UM POEMA DE PEDRO GALVÃO


Caros, abaixo poema do belo livro "Bissexto", que Pedro Galvão lançou pela Arte Paubrasil. Reproduzo aqui como uma recomendação ao livro, que pode ser adquirido via internet.



Galope a galope

Era uma égua alazã
montada em seu cavaleiro
em pêlo, resfolegã.
A trote, a trote, primeiro
num vai-e-vem comedido
em régua de redondilha,
entre um alegre nitrido
e um arfar subindo a trilha
da paixão, paixão em bridas,
nas léguas da madrugada
a trote, a trote vencidas.

E foram léguas sem fim.
Cavalgando e cavalgada
contre-plongée contra mim
eu via o céu vendo-a assim:
as crinas de labareda,
com seus músculos de seda
e a pelagem de cetim.

Centaura de olhos de fogo,
cassa-me o fôlego e a rima
me descompassa em seu jogo,
passa a passo um pé acima.
E o trote redondilhado
logo-logo se incendeia
nos oito de um trote rasgado.

Nos oito do trote rasgado,
não, não desliza, corcoveia,
golpeia o ar, salta um valado,
galga meu peito, em mim se ateia,
morde o galope em minha veia,
morde o oito infinito de amar,
me engole, açoita e desenfreia
nos dez de galope na beira do mar.

Nos dez de galope pela cama afora
em vôo que escarva esses pastos do dentro,
o dentro do dentro, ou melhor, o epicentro
do dentro a que chamamos alma e incorpora
corpo, corpo, cerne e carne, que elabora
a tão longa arte do amor a galopar.
E ela arfa e arf e urf e nesse arfar
derrama hidromel pelas colchas do cio
nos dez de galope nas pedras do rio,
nos dez de galope da beira do mar.

Ao depois desgalopou,
ao depois desgalopamos.
E apenas humanos ou
terrenos, ali ficamos.
Eqüestres. Equiparados.
Debruçada em mim, nos mins
de mim, na cama, nos prados
do seu país dos Houyhnhnms,
repousava a garanhã
no lombo do seu vassalo.
Era uma alada alazã
e seu terrestre cavalo.


A penúltima estrofe deste galope trabalha o mote “nos dez de galope da beira do mar”, com o metro e o esquema de rimas usado por Patativa do Assaré no seu desafio fictício “Encontro de Patativa do Assaré com a alma de Zé Limeira, o poeta do absurdo”, publicado em Teresa - Revista de Literatura Brasileira, números 4/5, USP/Editora 34.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo...como a mais querida companhia...numa tarde fria...