segunda-feira, 21 de setembro de 2009

LIVRO "BOM DIA - 61 NÃO-CRÔNICAS"


38 - Às mães

O domingo das mães se foi, mas o dia em questão é a quinta-feira passada, quando se sepultaram Uraquitan e Ubiraci Novelino. Minutos depois do enterro, Dona Vilma Novelino, 55 anos, resumiu duas semanas de horror numa frase profética: “Nossos filhos já não são para nós”.

Naquele momento, Dona Vilma era intocável em sua condição de mãe, inviolável em sua pura qualidade de amor, doação, piedade. Uraquitan e Ubiraci foram atraídos para uma armadilha por um amigo de longa data (o empresário Chico Ferreira) e morreram estrangulados num assalto forjado; os corpos (atirados à baía do Guajará acorrentados a baldes de concreto) só foram resgatados após dez dias de penosas buscas. “Nossos filhos já não são para nós”, resumiu dona Vilma, como se dissesse: “Agora eles são para Deus, para os anjos”; e como se dissesse, sobretudo: “Damos à luz, cuidamos, zelamos, e simplesmente vem alguém e nos toma os filhos amados”.

Naquele momento, inviolável, Dona Vilma Novelino estava longe dos negócios dos filhos (da rede de 17 postos de combustíveis formada em doze anos, das acusações de que foram assassinados por emprestar, a Chico Ferreira, R$ 4 milhões a juros exorbitantes...), e estava longe da palavra “vingança”, sempre usada nas perguntas dos jornalistas ao patriarca da família, Ubiratan Novelino, e ao filho deputado estadual, Alessandro Novelino (ninguém perguntou à família do médico Cavaleiro de Macedo, assassinado durante um assalto, se pensava em “vingança”): Dona Vilma era, naquela quinta-feira, apenas este ser supremo, mãe, que acabara de enterrar dois filhos.

Num tempo de iniqüidades, num mundo onde não confiamos nem nos remédios, nessa época egoísta e egocêntrica, as mães são raras heroínas: o que fazem todo dia pelos filhos merece uma Legião da Honra por semana. A ligação com os filhos é eterna – uma amiga, por exemplo, Nadir, ia de carro do Rio de Janeiro para São Paulo quando sentiu um aperto no peito: “Preciso telefonar para casa!”. Ainda não havia celular, e tiveram que chegar ao primeiro posto de combustíveis: ao ligar, Nadir descobriu que o filho sofrera um acidente grave, na volta de Mosqueiro para Belém.

Os homens têm suas questões, sua maneira de botar para fora (quase sempre de uma vez só) tudo o que sufoca por dentro. O deputado Alessandro Novelino envolveu-se 100% com o resgate dos corpos; mobilizou um batalhão de amigos e autoridades nas buscas e nas investigações sobre os criminosos; foi visto em todos os lugares, em todos os horários, incansável; e, naquela quinta-feira, pegou ele mesmo a pá e acabou de enterrar os irmãos. Mereceu até uma carta pública do pai – após terem encontrado o segundo corpo – agradecendo-o pela perseverança, por não desistir de dar aos “meninos” um enterro “digno”. Nesses tempos carentes, até agora o deputado capitalizou aura de herói.


Dona Vilma, mãe, inviolável a estas fraquezas, consumava em si todos os pecados cometidos pelos filhos mortos: nenhuma mãe merece enterrar o que ela própria entregou à luz; e qual filho pecou tanto que receba tamanha punição: ser enterrado por quem o gerou? Dona Vilma, Ubiraci e Uraquitan estavam, assim, reunidos num círculo inalcançável pelas faltas dessa vida: mãe e filhos, simplesmente, redimidos de forma impiedosa por um tempo em que o nosso amor já não é para nós.

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